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27/04/2020

Acordo individual entre empresa e empregado vira imposição coletiva de redução de salário

Grávida de quatro meses, a designer Paula se preparava para uma reunião com um cliente quando recebeu um aviso de que a partir do dia seguinte passaria a trabalhar por apenas meio período e que seu salário seria reduzido pela metade. “Foi apenas um aviso, não teve negociação, nada disso.”

Marina, fonoaudióloga no Rio de Janeiro, estava de férias –que já tinham sido antecipadas de junho para abril– quando recebeu um email em que era informada da decisão da empresa: por 30 dias, seu salário e jornada de trabalho seriam reduzidos em 70%.

“Confesso que ainda estou tentando entender se eles poderiam mesmo fazer isso sem passar pelo sindicato. Estou procurando informações”, diz.

Em alguns dias, dizia o aviso, ela receberia o acordo para que o entendimento fosse oficializado. O complemento à remuneração viria do governo federal. Foi também por email que Juliana foi informada de que a empresa havia decidido suspender seu contrato por um mês.

Relatos de trabalhadores que foram apenas comunicados de que seus contratos seriam suspensos ou que a jornada seria reduzida vêm dos mais diversos setores da economia, como saúde, propaganda, tecnologia da informação, arquitetura e comunicação.

Os nomes desses que contam suas histórias à reportagem foram trocados para evitar constrangimentos, pois eles continuam ligados às empresas.

Em comum, têm a ausência da negociação. No lugar do acordo individual, as empresas aplicaram um tipo de imposição coletiva, no qual os cortes são aplicados de maneira linear, sem considerar especificidades, valor do salário ou tempo de casa.

Em 1º de abril, o governo Bolsonaro publicou a Medida Provisória 936, por meio da qual criou um benefício emergencial baseado no valor do seguro-desemprego, e permitiu a realização de acordo individual para reduzir jornada e salário ou suspender contrato.

O professor de direito do trabalho da USP Antônio de Freitas Jr. diz que a imposição da decisão é uma temeridade, uma vez que a MP é explícita quanto à necessidade um entendimento entre as partes. “[A MP prevê] acordo individual escrito, e não um comunicado unilateral”, afirma.

Os acordos realizados dessa forma, diz, poderão ser contestados na Justiça. “Entendo que o procedimento não observa os termos da MP e sujeita a empresa ao debate judicial pelo pagamento dos valores que foram reduzidos.”

Para Cássia Pizzotti, sócia da área trabalhista do escritório Demarest, a aplicação das reduções após mera comunicação pode ser considerada um tipo de aliciamento dos empregados.

A MP prevê algumas situações que exigem acordo coletivo, como nos casos de redução de jornada e salário em percentuais diferentes de 25%, 50% ou 70%. Trabalhadores que ganham mais do que R$ 3.135 e menos do que R$ 12.202 só podem ter redução de 25% por acordo individual –qualquer outra negociação precisa ser coletiva.

O advogado Otavio Pinto e Silva, sócio do Siqueira Castro, considera que a MP permite a comunicação unilateral por parte da empresa, ainda que a recomendação dele seja a de sempre optar por uma primeira manifestação de intenção, na qual a empresa comunica analisar a adoção de medidas, e deixa aberto para os funcionários se posicionarem.

Ainda que, num momento delicado como o atual, recusar a redução possa resultar em demissão, essa decisão cabe ao funcionário. Ele afirma que, na prática, o que a MP cria é um contrato de adesão: ou o trabalhador aceita ou não continua.


Fonte: Fernanda Brigatti - Folha de São Paulo - 24/04/2020

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